As expressões “testou positivo” e “testou negativo” devem ser evitadas.

João Fernando Cravos – 14/03/2020
Fernando Cravos

Diante da dimensão do problema que estamos enfrentando, o que menos nos preocupa é o fato de alguém falar ou escrever corretamente, o importante é que a informação que se queira transmitir seja entendida. Entretanto, considerando a insistência da mídia em utilizar sentenças do tipo: “o secretário testou positivo para coronavírus” e “o presidente testou negativo”, acho que vale a pena tratar a questão e concluir que é incorreto dizer “testar positivo” ou “testar negativo”.

Verbo testar: significado e transitividade

Estão corretas, gramaticalmente, estas frases? Embora não sendo especialista em língua portuguesa, me arrisco a dizer que não. Por quê? Vamos lá. Vejamos um resumo do significado do verbo testar, segundo alguns importantes dicionários*:



1. como verbo transitivo direto e transitivo indireto: legar, deixar ou dispor (de alguma coisa) em testamento; “decidiu testar seu patrimônio (a um orfanato).”

2. como verbo intransitivo: fazer o seu testamento;”disse que não queria morrer sem testar.”

3. como verbo bitransitivo: deixar como em testamento; transmitir, deixar ao morrer; “Machado de Assis testou (às nossas letras) algumas de suas obras-primas.”

4. como verbo transitivo direto e transitivo indireto: dar testemunho de; testificar, atestar, asseverar; “testar a salvação (na fé).”

5. como verbo transitivo direto: submeter a teste; aplicar teste(s) a;“o professor costuma testar seus pupilos com extremo rigor.”

6. como verbo transitivo direto: pôr à prova, experimentar, ensaiar, provar;“testaram a aparelhagem de som.”

7. como verbo transitivo indireto: “testar os jovens ao emprego da fábrica.”

8. como verbo transitivo direto: sentido figurado: sondar, calcular; “estava querendo testar a paciência da mulher”

9. como verbo transitivo direto: Futebol: golpear a bola com a testa, para mandá-la na direção do gol.

Destacando os significados relevantes para o tema

Grifei os significados 5, 6 e 7, porque, dos nove, são os únicos que podem ser usados em qualquer referência a resultados, positivos ou negativos, de exames para detecção de doenças causadas por agentes infecciosos. Portanto, sendo o verbo testar, nestes casos, transitivo direto ou transitivo indireto, é exigido um complemento. Quem testa, testa alguma coisa, testa alguém, testa alguma coisa para alguém, ou testa alguém para alguma coisa.

Os exemplos acima, “o professor costuma testar seus pupilos com extremo rigor”, “testaram a aparelhagem de som” e “testar os jovens ao emprego da fábrica”, confirmam a transitividade do verbo para estes casos: transitivo direto ou transitivo indireto.

O teste para detecção do SARS-CoV2 é feito a partir da coleta de material dos pacientes para análise. Confirmada a presença do vírus, deve-se dizer que o resultado do teste, a que foi submetido o paciente, foi positivo ou foi negativo, e não que o paciente testou positivo ou testou negativo.

Quando se diz que o “paciente testou positivo para coronavírus”, comete-se um erro, de gramática e de semântica, pois o paciente não testou algo, não testou alguém e não testou a si próprio. Foi, em verdade, submetido a um teste, cujo resultado foi positivo.

Estrangeirismo?

Atribuo esse uso equivocado de “o paciente testou”, à tentação de importar, para simplificação, construções em língua inglesa, do tipo: “Japanese man tests positive for coronavirus again” (NHK World Japan) ou “(…) Mr. Wajngarten, who developed flulike symptoms once home in Brazil, tested positive for the coronavirus.” (The New York Times).

Na língua portuguesa, por exemplo, para descrever casos como esses, o correto seria dizer: Homem japonês teve resultado positivo em teste para coronavírus e O Senhor Wajngarten, que desenvolveu sintomas típicos de gripe quando estava em casa no Brasil, teve resultado positivo em teste para coronavírus.

Se é claro o equívoco, por que a continuidade do uso?

Embora se tenha notado, inicialmente, uma certa tendência de veículos, como os jornais O Globo e Folha de São Paulo, e os noticiários da TV Globo, de diminuição do uso da forma incorreta, priorizando-se as referências aos resultados dos testes, percebe-se que, a despeito de evidências de erro, a expressão vai se firmando pelo uso, em um loop de causa e efeito.

Dessa forma, é provável que, com o tempo, venha a se tornar consagrada e se firme acima das polêmicas.

No mais, para o bem de todos, vamos ficar em casa e seguir, com paciência  e responsabilidade, as orientações das autoridades sanitárias e das fontes confiáveis de informação.

Veja também > A expressão «testar positivo/negativo»

Aqui um interessante contraponto > Quem testa positivo foi contaminado por estrangeirismo?

*Referências: para pesquisa, sugiro consultar o verbete testar nos dicionários Caldas Aulete, Michaelis e Google.


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